sexta-feira, 25 de julho de 2008

RITUAIS DE PASSAGEM IV – A VIDA

Hoje em dia perdemos o encanto, a atração, o simbolismo de viver. Vivemos por viver, mecanicamente. Havia todo uma dinâmica no viver primitivo, todas as coisas tinham algo a mais. A vida era mais poética, afinal tudo era ritual.Estive lendo estes dias um livro de um índio Txucarramãe (Kaka Werá Jecupé) chamado “A TERRA DOS MIL POVOS” no qual comenta sobre a cultura das nações indígenas que compõem nossa nação. No princípio do livro o autor explica a razão do seu nome indígena, começando pelo primeiro nome que na realidade não é nome, e sim apelido (Kaka) e serve como escudo de proteção, porque segundo o autor “... o poder uma palavra na boca é o mesmo de uma flecha no arco...” completando a idéia “de modo que às vezes usamos apelidos como patuás.”. Como percebemos já nesta passagem as sociedades modernas perderam muitos referenciais. Hoje se temos um apelido, geralmente está relacionado a uma diminuição afetiva de nossos pré – nomes tal como Cacá para Carlos ou Carla, Tatá ou Tati para Tatiana ou Tatiane ou está relacionado a um padrão comportamental, defeito físico ou pela aparência física próxima a outra pessoa mais famosa tal como Loba ou Leão, Cabeção ou Coelha, Felipão ou Fafá de Belém, portanto perdem seu poder mágico, seu it poético, sua real necessidade, transformando –se em apenas rótulos de produto, ou seja, realçam a casca , a aparência (o corpo), ao invés da semente ( a alma).Mais adiante o autor explica seu nome “Werá Jecupé é o meu tom, ou seja, meu espírito nomeado. De acordo com esse nome, meu espírito veio do leste, fazendo um movimento para o sul, entoando assim um som, uma dança, um gesto do espírito para a matéria, que nos apresenta ao mundo como uma assinatura...”. Não é uma imagem bonita, mística até mesmo poética do nascer. O vínculo espiritual estabelecido por várias religiões percebermos nesta passagem, assim como os Kardesistas acreditam que o espírito escolhe seu nome antes do seu nascer, os índios de várias partes do globo terrestre acreditam que este é passado através de algum acontecimento sublime ou através dos sonhos e sempre terá vínculo com a pessoa que recebeu o epíteto. São exemplos disto Flecha Ligeira, Touro Sentado, Nuvem Vermelha, Athualpa, Raoni, Montezuma e outros.Os nomes na nossa era da comunicação de massas estão mais relacionado a fama e fortuna ou a eufonia provocada pelo som agradável da junção das letras. São os casos dos nomes de jogadores de esportes apreciados pelo país ( Futebol, Voleibol, Automobilismo e outros) ou nomes de personagens de folhetins tipo novelas, séries e minisséries Então o nome não aparece mais como assinatura do espírito e sim como carimbo ou um plágio de algo colocado como supremo. É tentar ser divino através da divindade de outro. É um vampirismo- metafórico.Os povos primitivos eram agregários, comunitários, chegavam a abrigar “100 ou 150 pessoas” em cada casa segundo Kaká, enquanto que nos dias atuais somos individualistas, solitários, com um indivíduo chegando a ter várias residências para seu prazer pessoal. As casas deixam de um reduto de aconchego e passam a ser apenas um local para se dormir, ficar, estar, porém não para se viver, morar ou residir. Apesar de várias culturas primitivas, serem nômades, não tendo portanto o apego pela moradia fixa, porque seguem o ciclo da natureza, tal qual ave de arribação que quando chega o inverno sem comida se mudam. Porém mesmo nestas culturas há uma veneração pelo local onde se mora, ou carregando a casa consigo (as barracas dos tuaregs dos desertos ou dos mongóis), ou com casas fixas em cada parada, mas que é aberta a cada passagem pelo local e em cada ciclo se mora em determinado local ( os antigos povos sambaquis, tupis e alguns povos tuaregs do deserto, principalmente da região de Marrocos) criando vínculo de amor, companhia e aconchego e amizade. As casas portanto neste caso não servem para se valorizarem ou serem apreciadas pela sua beleza, mas sim pela sua utilidade.Os homens primitivos não tinham tempo de engordar, nem de envelhecer, porque a luta diária, pelo alimento era cruel, desigual em relação aos dias atuais. Hoje a caça e as lavouras são empacotadas e vendidas nos Supermercados (estes templos de consumo), enquanto que nas eras remotas da humanidade ou com os povos primitivos estes deviam caçar, pescar ou criar seu próprio alimento, não sobrando tempo para o ócio preguiçoso, ou seja, individual relacionado ao ser humano moderno, para se ter apenas um ócio coletivo relacionado a festas de cunho místico – religioso. Portanto nas culturas primitivas não restam sobras, afinal o abate é feito em função de sua comunidade e nunca de um mercado a qual não se conhece as pessoas para quais está se vendendo. Estas pessoas sem rostos, sem nomes, sem almas.Outra coisa importante para os primitivos eram os caminhos, quase sagrados, que usavam durante suas vidas. Estes caminhos eram de conhecimento comuns dos membros da comunidade. Estavam relacionados às atividades de caça, pesca, comércio, comunicação. Todos tinham o mapa em suas mentes assim como os ursos , salmões e outros animais que sempre voltam ao local aonde nasceram por mais que se distanciem, tendo uma relação muito forte com o caminho. O caminho passa a ser a vida. Diferentemente hoje temos excessos de caminho que não levam a nenhum lugar específico. Ao contrário do de Peabiru ( que ligava Cananéia a Asunción (Paraguai), caminho este relatado no livro de Kaká, nós fazemos nossos caminhos, os pontos A e B de cada viagem. Algumas vezes os caminhos são sempre os mesmos (ir ao trabalho, à casa de um parente, a um templo ou a um lugar para o lazer), porém são nossos caminhos. Estão relacionados ao indivíduo, não à comunidade. Têm estrutura de caminho, porém não têm história de caminhos. São caminhos físicos, mas não sagrados.Há várias coisas que nos diferenciam dos nossos antepassados e que fazem nos perceber o quanto regredimos em várias coisas. Antes se trabalhava por precisão e quando se podia e se queria, hoje trabalhamos o tempo inteiro mesmo quando não podemos, para almejar algo abstrato e inatingível chamado Status. Por isto se adoece, se anula, se morre, e se mata. As pessoas primitivas eram mais alegres, felizes. Todas tinham o que chamamos hoje de auto – estima, não a individualista vendida em livros, em palestras por psicólogos demagogos e sim coletiva. Afinal todos se conheciam, se respeitavam,, se entendiam dentro da comunidade, podiam até ser cruéis em relação aos inimigos, mas eram felizes entre si. Hoje se não somos soturnos, infelizes, carrancudos somos irresponsáveis e em função disto não conseguimos viver em comunidade e almejar saídas coletivas, tentamos saídas individuais e depois soluções paliativas como ajudar à instituições de caridade e criar fundações de amparo à velhice, aos animais, às crianças ou a qualquer outra coisa que o valha. A sociedade atual nos faz perversos entre nós mesmo e numa atitude hipócrita e ainda chamados selvagem pejorativamente os povos primitivos do planeta. Faço minhas as palavras de Mário Juruna, primeiro índio a ser eleito deputado: É o civilizado que destrói, mata, caça sem necessidade, se isto é ser civilizado, quero continuar sendo selvagem, e não ser civilizado” Por tudo isto, devíamos debruçar sobre as culturas mais primitivas e absorver tudo, tudo o que perdemos, principalmente nossa sensibilidade para o belo e para vida vivida com prazer e de maneira coletiva. Portanto Rituais já!

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